Apenas Fatos

20 de junho de 2024

Fatos são aquelas coisas desagradáveis que teimam em contrariar sentimentos e percepções, preferências e opiniões particulares.

E não há ciência menos sujeita a fatos e números que o planejamento urbano, que o desenvolvimento das cidades, que a requalificação de áreas urbanas degradadas.

A afirmação acima contraria sentimentos e percepções, preferências e opiniões particulares, e não poderia ser diferente, não porque não existam dados. Há muitos, e constantemente atualizados, mas os dados e os fatos apontam para direções e caminhos que os gestores públicos nem sempre gostam de percorrer.

E não gostam porque não são nem inéditos, e nem geniais. Não geram “marcas”, não geram apelo político, produzem pouco dividendo e pouco “barulho”. Afinal, os caminhos apontam sempre para o bom senso e para o óbvio, para experiências testadas e comprovadas.

Vamos ao fatos:

  • – Áreas centrais têm a melhor infraestrutura, implantada e já “amortizada”;
  • – Quanto melhor a infraestrutura da região, mais própria ao adensamento;
  • – Quanto maior a densidade, menor o custo de infraestrutura por habitante ou por residência;
  • – Investimentos privados em linhas de metrô têm mais viabilidade quanto maior for a demanda conhecida e previsível;
  • – Investimentos em infraestrutura têm mais viabilidade quanto maior for a demanda conhecida e previsível;
  • – Quanto menor o deslocamento da população, menor o investimento necessário em transporte público;
  • – Quanto menor o deslocamento da população, menor a demanda por asfalto;
  • – Quanto menor o deslocamento da população, maior o deslocamento a pé e por bicicleta;
  • – Quanto menos asfalto, menor o custo de manutenção da infraestrutura;
  • – Prédios em terrenos com afastamento frontal e laterais obrigatórios produzem 40% menos unidades do que prédios que ocupam todo o terreno;
  • – Prédios com a mesma quantidade de apartamentos construídos em terrenos com afastamentos frontal e laterais obrigatórios são 40% mais altos do que prédios que ocupam todo o terreno (e mais caros para construir, porque têm mais fachadas e fundações mais robustas);
  • Jardins frontais não resolvem (e pouco contribuem) para a drenagem urbana.

A lista é longa, assim como seus desdobramentos e implicações, mas o meu interesse aqui é a discrepância (ou a distorção cognitiva) entre os fatos e os caminhos adotados em 100% das capitais e grandes cidades brasileiras, em oposição aos caminhos adotados pela totalidade das cidades europeias.

As perguntas, óbvias, são:

  • – Se a baixa densidade encarece a infraestrutura por habitante ou por residência, por que a legislação urbanística de 100% das capitais e grandes cidades brasileiras estimula a redução da densidade?
  • – Se os afastamentos frontal e laterais obrigatórios produzem 40% menos unidades em cada lote, por que a legislação urbanística de 100% das capitais e grandes cidades brasileiras estimula a redução da densidade?
  • – Se os afastamentos frontal e laterais obrigatórios implicam no encarecimento das unidades produzidas, por que a legislação urbanística de 100% das capitais e grandes cidades brasileiras estimula a redução da densidade?
  • – Se a baixa densidade pode inviabilizar o investimento privado em linhas de metrô (ou aumentar a necessidade de subsídio público), por que a legislação urbanística de 100% das capitais e grandes cidades brasileiras estimula a redução da densidade?

E a pergunta final, que resume a questão:

Por que o legislador contraria os fatos, os dados e a lógica, piorando deliberadamente a cidade como um todo?

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Arquiteto e Urbanista por 25 anos, Incorporador pelos últimos 5 anos (e contando). (lmyssior@gmail.com)
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