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Para arquitetos e urbanistas, o mais difícil no processo de desenvolvimento das cidades talvez seja lidar com as estratégias políticas utilizadas em temas que, para nós, seriam somente uma questão de planejamento urbano. No passado, tínhamos em nosso imaginário que as cidades eram criadas e transformadas somente com o desenho do arquiteto, mesmo tendo certeza que sempre existiram diversas forças atuando sobre isso. No caso de Inhoaíba, localizada na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro, infelizmente, as forças externas aos arquitetos e urbanistas estão muito mais presentes do que gostaríamos, o que me levou a escrever este texto.
Em artigo para o Caos Planejado, Anthony Ling e Guilherme Pereira descrevem a operação realizada para a construção do Parque Augusta, na cidade de São Paulo. Na época, a Prefeitura, em troca da desapropriação do terreno, deu às construtoras Certificados de Potencial Construtivo para que fossem utilizados em outras áreas da cidade.
Os autores mostram, em seu artigo, que os certificados recebidos valiam quase o dobro do que foi gasto na compra e manutenção do terreno. Outro fato curioso é que a associação de moradores era a favor do parque por acreditar que esta operação não trazia ônus aos cofres públicos, mas o não recebimento do dinheiro equivalente a este potencial dado é, sim, um ônus aos cofres públicos.
Essa é uma estratégia que também podemos ver no processo do Parque Inhoaíba, que foi aprovado em dezembro de 2022, através da Lei Complementar N° 258. Porém, para além do impacto aos cofres públicos, a minha preocupação se dá no impacto à paisagem da cidade.
A população da região de Inhoaíba carece de espaços públicos de lazer e cultura de qualidade, por isso a vinda de um parque é um alento para seus moradores e impede um olhar quanto a questões técnicas e que são muito difíceis de se entender para a maioria da população.
A área do onde se instalará o Parque é fruto da doação da fazenda Inhoaíba pela sua antiga proprietária, Anna Gonzaga, à Igreja Metodista para que se fizesse ali um orfanato que foi inaugurado em 1949. Atualmente não existe nenhuma atividade no local e toda a infraestrutura para transformação em Parque deverá ser feita pela Prefeitura.
Em todas as reuniões, audiências e votações em plenário sobre o projeto de lei desta Operação Urbana Consorciada (OUC), os agentes públicos encaminharam seus discursos tratando somente da beleza e do grande benefício que o parque traria para a região, apresentando diversas imagens de como ficaria a obra acabada. O benefício do parque não foi questionado por ninguém e a operação foi questionada por poucos.
Mas, assim como no Parque Augusta, esta OUC trazia um grande prejuízo aos cofres públicos. A Prefeitura indicou que o terreno a ser desapropriado era de 1.7 milhões de metros quadrados, e o potencial a ser transferido era em torno de 148 mil metros quadrados. Segundo foi noticiado à época, o valor do terreno calculado era de 450 milhões de reais.
Porém, como as áreas receptoras deste potencial se encontram em regiões mais valorizadas do que Inhoaíba, não sabemos se o valor real arrecadado com este potencial será maior do que o do valor do terreno. Além disso, a Lei aprovada permite o aumento do gabarito de diversas destas áreas receptoras, o aumento previsto em alguma áreas receptoras varia de três a quatro pavimentos acima do gabarito permitido pela legislação em vigor, isso sem nenhum estudo do seu impacto na paisagem da cidade o que, ao meu ver, é um dos grandes erros deste projeto.
Poderíamos aqui desenvolver diversos estudos para calcular o valor que os certificados terão ao serem utilizados, porém, a minha reflexão principal é a de que criamos diversas legislações urbanísticas que levam meses e às vezes anos para serem desenvolvidas e conseguimos alterá-las de forma substancial em alguns projetos de lei que são aprovados em tempo recorde e que impactam na paisagem. Cabe lembrar que a cidade do Rio de Janeiro está em pleno processo de revisão do Plano Diretor, e que esta questão do parque poderia ser trazida para o cerne desta discussão.
Por fim, os dois pontos que mais me chamam a atenção e que me levaram a escrever este texto são: em primeiro lugar, como é difícil trazer argumentos técnicos para uma discussão onde a população vê, em imagens bonitas, uma aspiração e alento para sua região. Ao focar no projeto do parque, os agentes políticos conseguem atingir seu objetivo que é o de ter a população ao seu lado.
O segundo ponto que vem se perpetuando é a permissão de aumento de gabaritos sem o estudo do seu impacto na paisagem local. Esse tema tem sido objeto dos meus textos e acredito que estou perdendo a disputa para outros agentes que atuam na cidade. Bom, neste começo de ano teremos mais emoções, a nova lei dos puxadinhos já está na pauta da câmara e logo logo teremos outros textos para escrever.
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