Afastamento frontal para que?

17 de julho de 2024

Uma das questões que mais mexe com meus pensamentos urbanísticos é o afastamento frontal (em outras cidades é conhecido como recuo frontal). Quando pequeno, morador de Copacabana, passeava pelas ruas transversais do bairro e minha brincadeira era circular pelos pilotis dos edifícios, muito presentes na época devido ao boom imobiliário das décadas de 1950 e 1960, influenciado pelo movimento moderno. Naquele tempo, eu não percebia a diferença entre espaço público e privado.

Minha primeira experiência com esse tema ocorreu por volta do fim da década de 1980, mesmo sem ter iniciado os estudos na faculdade de arquitetura. Isso se deu pela simples e triste inserção das grades alinhadas ao limite do lote, que separavam os espaços públicos dos privados. Aquilo foi realmente um marco em minha futura trajetória no urbanismo.

No século 19, a questão do afastamento das edificações estava diretamente relacionada às condições sanitárias. Em 1900, um decreto abordou o alinhamento e a largura das testadas, estabelecendo que, nas ruas desalinhadas e com poucas edificações, seria necessário traçar um projeto de alinhamento (PA). Esse projeto consistia, essencialmente, no alargamento de ruas existentes ou na abertura de novas vias. 

A partir de 1902, durante a administração de Pereira Passos, foi introduzida a numeração dos projetos de alinhamento. O PA n° 1 referia-se à Avenida Salvador de Sá. Naquela época, os edifícios eram construídos alinhados com a rua, o que tornava necessário o alargamento das ruas em áreas onde a largura era insuficiente para acomodar as construções mais altas que surgiram no século 20.

O afastamento frontal aparece na cidade do Rio de Janeiro na década de 1930 como uma resposta às questões de salubridade, e o aumento da largura dos logradouros tinha a finalidade de permitir maior aeração. Porém, as ruas projetadas no século 20 já tinham larguras suficientes para garantir essa aeração. As ruas projetadas a partir da implantação dos Projetos de Alinhamento já tinham largura suficiente para abarcar essas questões.

Sempre que possível, indago aos planejadores e aos que escrevem leis urbanísticas qual o motivo de toda legislação implementar a obrigação de afastamento frontal para as novas edificações. Essa é uma pergunta sem resposta; simplesmente se repete o procedimento há anos, sem nenhuma reflexão. Continuamos a fazer planos urbanísticos exigindo afastamentos frontais, mesmo em áreas de expansão e com pouca ocupação, onde poderia ser implementado outro modelo de cidade.

Quando falamos em vitalidade no espaço urbano, estamos falando da relação entre a rua e o edifício, das pessoas se vendo e circulando nos espaços livres e se apropriando das cidades. Mas para isso acontecer, teríamos que trazer os edifícios para o alinhamento das ruas e não afastá-los. Na cidade do Rio de Janeiro, os espaços gerados pelo afastamento frontal acabam sendo ocupados com grades e, no caso de restaurantes, uma ampliação de sua área.

Numa cidade bem consolidada como o Rio, fica difícil mudar essa lógica do afastamento frontal. Porém, poderíamos introduzir instrumentos para que esse espaço pudesse ser incorporado ao espaço público, sem prejuízo para o proprietário do lote, evitando a fragmentação produzida pelas grades.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Arquiteto pela Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ (1991), é Mestre em Arquitetura (2010) e Doutor em Arquitetura (2014) pelo PROARQ da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ. É professor da Universidade Veiga de Almeida e do Mestrado Profissional no Programa de Pós-graduação em Projeto e Patrimônio da UFRJ. Sócio do escritório DCArquitetura e consultor de Planejamento Urbano. Autor de quatro livros sobre as transformações urbanas da cidade do Rio de Janeiro.
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