Limites de altura: ainda uma má ideia
Imagem: Adam Fagen.

Limites de altura: ainda uma má ideia

Receitas extraordinárias geralmente envolvem a transição entre regimes regulatórios, e isso cria um incentivo político para jogar com o sistema de modo a ser um dos poucos proprietários cujo lote pode se tornar um edifício alto.

19 de fevereiro de 2016

Em dois artigos recentes no site Strong Towns, Charles Marohn, conhecido no meio urbanístico por ter introduzido o termo “stroad” (street + road) se referindo a vias arteriais hostis aos pedestres, defende os limites de altura como uma força positiva no urbanismo. Não apresenta o tradicional argumento estético que edifícios altos são inerentemente desagradáveis (“fora de escala”), ou o argumento urbanístico de que edifícios altos levam ao declínio das redondezas; ao contrário, ele apresenta um argumento econômico que permitir edifícios altos eleva os custos do solo urbano, e torna menos provável o desenvolvimento de lotes vazios. Ele usa o seguinte exemplo:

“Digamos que a legislação local permite que um lote vago receba um empreendimento linear comercial de um pavimento, mas nada mais alto que isso. Se o shopping vale 500 mil dólares, o lote vago valerá algo em torno de 75 mil.

Tudo bem, mas e se a legislação local permitir que o lote seja incorporado em uma torre de dezesseis pavimentos? Se essa torre valer 20 milhões de dólares, o lote vago valerá um preço muito mais alto, talvez em torno de 2,5 milhões.

Você é dono desse lote. Eu chego para você com a minha oferta de comprá-lo por 75 mil. Quais são as chances de você me vendê-lo por esse preço se quando você olha para o lado tem alguém pagando milhões pelo mesmo lote? Não são altas.”

Na maioria das cidades, como Charles aponta, não há demanda suficiente para desenvolver todos os lotes vazios em arranha-céus e, portanto, se alguns lotes se transformarem em prédios altos, vários outros lotes se manterão vazios. Esse não é o caso em cidades grandes, que Charles aponta especificamente em seus artigos (ver também a resposta de Daniel Kay Hertz), mas parte do problema com esse argumento, como veremos, é que o limite entre o que define cidades grandes de pequenas é pouco claro.

Deixe-me explicar por que esse argumento falha, como todos os outros argumentos a favor de restrições em zoneamento: ele parte de hipóteses implícitas sobre a incerteza futura. A razão de um proprietário não vender seu lote por $75 mil é a esperança de conseguir $2,5 milhões.

Num mercado estável, com a população baixa o suficiente para não levar o valor do lote a tal preço, os proprietários sabem que aceitar ofertas de $75 mil é um bom negócio, e que seria improvável conseguir uma oferta melhor.

Pessoas costumam ter um viés otimista e superestimar a possibilidade de conseguirem uma oferta maior. Mas há, também, aversão ao risco, que na maioria dos casos domina a economia, de modo que ativos mais seguros costumam ter custos maiores e retornos menores.

Então quando vemos holdouts, onde um proprietário segura o terreno esperando um valor maior? A aversão ao risco prevê que a probabilidade de se obter uma oferta de $2,5 milhões deve ser maior do que a demanda total por novas torres dividida pelo número de lotes vagos.

Se explicitamente assumirmos que os custos no exemplo de Charles, incluindo custo do terreno, são imutáveis, significa que proprietários de lotes vagos esperam haver mais arranha-céus no futuro, provenientes de regiões de crescimento. O exemplo de Charles se baseia em Sarasota, que como grande parte da Florida tem alto crescimento populacional.

A outra possibilidade é a incerteza regulatória. Num mercado competitivo, custos do terreno já são os mais baixos possíveis desde que proprietários de terrenos façam dinheiro com investimentos passados. Os lucros do empreendedor também são os menores possíveis, representando seu retorno pelo trabalho gerencial. No entanto, restrições regulatórias pressionarão para cima ambos valores, e um proprietário que espera que empreendimentos futuros se aprimorem com o atual zoneamento pode reter o terreno até que os preços subam.


Receitas extraordinárias geralmente envolvem a transição entre regimes regulatórios, e isso cria um incentivo político para jogar com o sistema de modo a ser um dos poucos proprietários cujo lote pode se tornar um edifício alto.


Este é o perigo de um sistema baseado em regras arbitrárias (Charles propõe até dois pavimentos ou multiplicar a atual altura média em 1.5, prevalecendo o maior), e distinções arbitrárias entre cidades pequenas nas quais restrições à altura são desejáveis e cidades grandes nas quais não são: isso introduz discrição política aos detalhes, que por sua vez adiciona ainda mais incertezas junto aos proprietários.

Receitas extraordinárias geralmente envolvem a transição entre regimes regulatórios, e isso cria um incentivo político para jogar com o sistema de modo a ser um dos poucos proprietários cujo lote pode se tornar um edifício alto.

Em contraste, quando uma regra-base é determinada de modo que não haja zoneamento, como em Houston, introduzir um zoneamento é difícil mesmo que haja regras iguais às de zoneamento exceto pelo nome, como mínimos de estacionamento.

Uma vez que entrarmos na esfera de cidades com grande proporção de lotes já incorporados, como Charles propõe, empreendimentos futuros devem apenas substituir os antigos, e isso introduz uma diferença crucial entre novos empreendimentos e empreendimentos que exigem a compra de propriedades pré-existentes.

Se um edifício de dois pavimentos é substituído por um de três, o empreendedor não só paga a construção dos três pavimentos, mas compra os outros dois, efetivamente pagando por cinco pavimentos.

Seu retorno, no entanto, ainda é aquele de três pavimentos, o que pressiona os custos efetivos por um multiplicador de cinco terços. A fórmula é que se for possível multiplicar a área construída por um fator x, o custo de aquisição aumentará o custo de cada unidade por um fator de 1 + 1/x.

Este é o motivo pelo qual, em grandes cidades, costumamos ver edifícios serem substituídos por prédios muito maiores: por exemplo, um edifício de três ou quatro pavimentos em Manhattan deve ser substituído por uma torre de quinze ou vinte andares.

Charles lamenta que isso não seja em pequena escala ou gradual, mas mesmo seu exemplo de desenvolvimento gradual é similar: em Houston, residências unifamiliares são substituídas por prédios de apartamentos de baixa altura, gerando razões similares entre as áreas totais dos novos empreendimentos e aquelas dos prédios substituídos.

A gradação nesses casos consiste em substituir pequenos prédios por outros muito maiores, gradativamente, até que décadas depois o bairro inteiro tenha se verticalizado.

Uma forma de contornar a necessidade da empreendimentos que exigem a compra de edifícios pré-existentes seria determinar que edificações futuras devem adicionar pavimentos acima dos existentes. A Blue Cross Blue Shield Tower, em Chicago, é um exemplo. Essa é uma regulação que aumenta o custo médio da construção, mas reduz seu custo marginal e, portanto, seu preço. Também é uma regulação que somente importa em situações onde é difícil ter uma razão alta entre área bruta nova e antiga, como em áreas que já são verticalizadas, especialmente nos centros financeiros de grandes cidades.

(É fácil quintuplicar o coeficiente de aproveitamento quando os edifícios existentes têm três pavimentos, mas não tanto quanto têm doze.) O atual estilo de construção da maioria das edificações pequenas, como os telhados inclinados comuns nas casas europeias e norte-americanas, costumam tornar impossível a adição de novos pavimentos.

Claro, a implicação de que tal regulação devesse se aplicar somente a edifícios acima de certa altura introduz discrição política e consequente incerteza, mas pelo menos essa incerteza se aplicaria igualmente a todos os edifícios de uma área, o que nem sempre é o caso para o zoneamento.

O que Charles propõe, empreender todos os lotes vagos primeiro e só então começar a verticalizar, é uma receita para altos custos marginais, por causa do fator da aquisição. Em cidades menores uniformemente desenvolvidas em um ou dois pavimentos, é difícil espalhar novos empreendimentos em muitos prédios de até três andares, precisamente porque não há como construir residências unifamiliares reconhecidas como tal por europeus ou americanos nos países que visitei (é diferente no Canadá, mas é considerada uma exclusividade da baixa qualidade das habitações de Vancouver) e que possa ter pavimentos sobrepostos adicionados a elas. Em tal ambiente, verticalizar é o único modo de evitar altos custos de habitação.

Este artigo foi originalmente publicado no site Pedestrian Observations em 21 de novembro de 2014. Foi traduzido por Lucas Magalhães, revisado por Anthony Ling e publicado neste site com a autorização do autor.

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