O turista

19 de julho de 2024

Na cidade dos outros, tentemos não ser imprevisíveis.

Londres deve ter respirado aliviada quando eu fui embora. “Finalmente nos livramos daquela mulher”, com certeza foi o pensamento de todo mundo que eu incomodei na minha breve estada lá. Entre 2009 e 2010, por conta do meu doutorado, fui conhecer as três cidades que Lucio Costa usou como referência de urbanidade para o Setor de Diversões do centro de Brasília: Paris, Londres e Nova York. Londres foi a segunda delas, e a cidade mais cheia de gente em que até então havia estado.

Eu não tinha a menor ideia de como me comportar no meio da multidão, e só não atrapalhei mais porque estava viajando com meu amigo Reinaldo, uma pessoa com muita noção, a quem eu provavelmente matei de vergonha várias vezes nessa viagem.

Vinda de uma cidade onde muitas vezes o pedestre anda no meio do nada, tive dificuldades em me lembrar de pensar nas outras pessoas para fazer qualquer coisa, estando como turista numa cidade compacta e movimentada como aquela.

O turista é um ser estranho e, às vezes, inconsequente. Ele para do nada no meio do caminho, faz gestos inesperados. Esquece que a cidade que ele visita é a cidade de alguém, que tem que viver seu cotidiano sem ser molestado. Ele está na casa dos outros, e nem sempre se dá conta disso.

(O turista arquiteto é mais estranho ainda. É horrível viajar com a gente, eu sei. A gente tira foto de bueiro, de detalhe de encontro de viga com pilar, de poste, de botão de elevador. Às vezes, a gente não quer ninguém nas nossas fotos, nem que seja alguém da nossa família. Lembro uma viagem em que eu percorri um trajeto fotografando cada mudança de cena de uma linda sequência perceptiva, para mostrar depois para meus alunos. Chegando ao hotel e revisando as fotos é que vi que minha filha estava no centro de todas elas, tadinha, crente que eu a estava fotografando. Esse episódio, claro, virou piada aqui em casa).

O turista caminha devagar, atrapalhando o fluxo da calçada, sendo que tem gente que mora ali e precisa andar rápido para resolver suas coisas, ir a lugares. Ele resolve apontar para algum prédio legal, e de repente enfia a mão na cara de um transeunte. Ele dá, inadvertidamente, um passo para trás, para apreciar alguma paisagem ou enquadrar melhor uma foto, e pisa no pé de alguém. Ele vai prender o cabelo com uma liguinha e mete o cotovelo no olho de uma pessoa. Eu falei de forma genérica, mas na verdade tudo isso aconteceu foi comigo mesmo. Em Londres.

Aprendi? Estava certa que sim.

Estou em Veneza agora, e este texto vai ser curto porque, enquanto escrevo, estou deixando de conhecer a coisa inacreditável que é esta cidade.

Acho que estão doidos para eu ir embora daqui.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Arquiteta, professora da área de urbanismo da FAU/UnB. Adora levantamento de campo, espaços públicos e ver gente na rua. Mora em Brasília. (ceep.unb@gmail.com)
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