Antes que me atirem pedras, quero deixar bem claro que sei que o vidro fumê é importante para a segurança — tanto para as pessoas, quanto para o carro — e que, numa cidade como a nossa, nunca é demais se precaver.
Porém, mesmo com essa grande vantagem, ainda sou contra o vidro fumê. E não por uma questão de estética ou por ele diminuir a visibilidade para os motoristas. É por uma questão de humanidade.
O vidro fumê impede que as pessoas se olhem. Quando paramos numa sinaleira e olhamos para o lado, o que vemos? Um vidro preto. Não sabemos quem está atrás dele, não sabemos se é uma pessoa feliz, triste, velha, jovem, homem, mulher. Nada. Quando sofremos uma barbeiragem, o mesmo acontece. Não sabemos se a pessoa se sente mal por ter feito ou se está rindo da gente atrás de um vidro escuro. E fica até mais fácil ser barbeiro, já que o vidro esconde até a vergonha de quem faz uma linda maneteada.
A real é que o vidro fumê acaba com o já pequeno contato humano existente no trânsito, tornando-o apenas um amontoado de carros, em vez de um grupo de pessoas. Não temos como sentir empatia por um veículo sem vida, que solta fumaça e tira nosso espaço na rua. Sem pessoas, é exatamente assim que o trânsito é visto.
Andar de carro está cada vez mais caótico e isso não vai melhorar de um dia para o outro. Mesmo com um número crescente de pessoas trocando seus automóveis por outros meios de transporte (go bikes!), o número de veículos nas ruas de Porto Alegre vai continuar alto por um bom tempo, restando a nós fazer o que está ao nosso alcance para deixar o trânsito um pouquinho melhor, mais humano.
Abaixo o vidro fumê!
Artigo publicado originalmente na revista VOID nº 93
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